Voa passarinho, voa
Entoa um novo canto
Deixe o pranto pra lá
Leve nas asas do tempo
Leve aos pés de Oxalá
Poesia: Adriano Yamamoto
Voa passarinho, voa
Entoa um novo canto
Deixe o pranto pra lá
Leve nas asas do tempo
Leve aos pés de Oxalá
Poesia: Adriano Yamamoto
Foi nas águas deste rio
Tantas vezes me banhei
Neste sol do meio dia
Vadia tarde mergulhei
Hoje vejo suas águas
Imagino a correnteza
Tantas mágoas já se foram
Vadia tarde já sonhei
No alfoge vou levando
Alegrias deste dia
Nesta estrada galopando
Essa imensa melodia
Foi nas águas desse rio
Menino peixe me tornei
Hoje sonhando, me sacio
E lembrando, mergulhei
Poema: Adriano Yamamoto
Fotografia: Biel Fagundes (https://pt-br.facebook.com/bielfagundesfotografia/ e http://bielfagundes.wixsite.com/photography)
Essa imagem faz parte de um acervo de mais ou menos 100 fotografias, o projeto “Vale Ouro”, do jornalista e fotógrafo, Biel Fagundes, leva esse nome para dar ênfase ao riquíssimo valor do Vale do São Francisco. Juazeiro, Petrolina e região, vivem em função do Rio São Francisco. Diversas pessoas usufruem desse recurso hídrico diariamente para atender suas necessidades sejam elas profissionais ou até mesmo de lazer. Banhar-se nas águas do Velho Chico é purificar a alma.
(Fonte: https://www.folhageral.com/noticia/2016/05/fotografo-eterniza-vida-e-beleza-do-sao-francisco/#axzz4SZZWKt8K)
Agora eu sei
o céu não é preto e branco
É escrito, ora em Hebraico
ora em Bantu
Outrora sonhei
Eram nuvens de algodão
Hoje são folhas
Todas verdes pelo chão
Dormi, acordei no seu jardim
Sou um mero mortal
O bem e o mal
Moram dentro de mim
(Adriano Yamamoto)
Quem partiu a passos largos
E não viu o dia raiar
Sentiu no peito
O choro apertado
Do lado esquerdo
A doce companheira
Numa noite triste
Numa sexta feira
Sob o fio da navalha
As forças já te falham
Hoje vi tuas fotos nos jornais
E ninguém mais te viu
E quem partiu sem saber
Sem teus olhos rever
No intervalo da novela
Vi sua foto na TV
Só assim pra saber
Alguma notícia sua
Adriano Yamamoto
* Dedicado aos que lutaram bravamente contra os 21 anos de ditadura militar no Brasil (1964-1985)
Os teus olhos de criança
Trazem rabiscos
Desenhados à mão
Dos absurdos da vida
A memória esculpida
À ferro e fogo
No jogo comprado
No disparo precoce
No movimento do fantoche
Que faz terra girar
Incansável em torno do sol
Os teus olhos de criança
Trazem o encanto
No canto dos desvalidos
Os sonhos inventados
Muitos esquecidos
A flor que brota no aço
Do estilhaço da sorte
O choque letal de realidade
A vida e a morte
No estúpido bote
(Data: 26/06/2014 – Inspirado no Filme “Machuca”)
Morena, te guardo em meu peito
Nesse estreito sentir
Morena dos olhos negros
A noite te copia a cor
Morena do aroma de flor
Dos cabelos ariscos
Me arrisco sempre
Me prendendo em ti
Morena, o seu jeito de menina
Pés descalços a dançar na noite
Me ensina com seu jeito simples
A ver a vida assim tão leve
Me leve sempre com você, morena
Flor pequena nas estradas do sertão
Queria te fazer uma canção, morena
Pra te tocar nas cordas do violão
Te ouvir à sós, poder lembrar, falar de nós
Tocar-te sempre que vier a lua
Ser a lembrança mais doce pra você
(Para minha flor dos cabelos ariscos (Luciane Yamamoto) e à data de 18 de dezembro, onde completamos 14 anos de pura cumplicidade)
Sabiá, tu bem que sabia
Desse amor que me rói
Que dói noite e dia
Tu bem que sabia, sabiá
Não tem cantoria que sare
Quando vejo você
Me diga porque
Não há remendo que repare
Meu coração não sabia, sabiá
Nunca valeu vintém
Nunca quis se entregar
Agora não quer ser de mais ninguém
Roda, acorda, torna a girar
Incansável moinho
Ingrata água, se deita no mar
Papel de parede noturno
Onde se penduram a lua
As estrelas e até saturno
Enxadas que marcam o chão
Esporas que ferem a pele
Os frutos que sempre se vão
Arrancaram da mão a palma
Tudo escorre, sempre corre
Hoje acordei e não vi minha alma
Mas calma, amanhã, tudo roda
Acorda e torna a girar
Vou derrubar o céu na madrugada
Quero ver desabar os astros
A lua se sustentar numa jangada
Mulher naqueles dias
Arruma tumulto, chora
Acha defeito em tudo
Fica arredia e não demora
Tira o sujeito do sério
Fecha a cara, não dá bola
Na hora da novela
Imagina a mau criação
Não há mocinho que escape
Nem atriz de plantão
Que seja bonita o bastante
Fica brava, desliga a televisão
Se esqueço, é descaso
Desconfia, se dou presente
Discute a relação
Reclama e constantemente
Arruma as malas
Me esculacha e nem sente
Se ela estiver naqueles dias
Não procure entender
Não há lei que condene
Pergunte ao juiz, você vai ver
E se ela te acusar
Não ouse se defender
Nas águas do rio
Um papel com seu nome
Pra vê se some
Se a correnteza do rio
Leva pra longe
Por mandinga, por simpatia
Cada pensamento que se cria
Avalanche que me consome
Pra ver se peixe leva
Coração embrulhado em papel
Rabisco num jornal
Ilusão sentimental
Adriano Yamamoto (Data: 10/05/2013)
Quando uma nova vida inicia
Um costume lá do norte já dizia
Umbigo se enterra na cancela
Perto daquela cerca amarela
Na fazenda de nhô Joaquim
Pra trazer bonança sem fim
Crença de mulher rezadeira
Não se pode duvidar
Esperança da sorte derradeira
Desde novo ouvi falar
O povo lá do norte de minas
A toda mulher se ensina
Menino pra ser fazendeiro
Ter boiada no terreiro
Umbigo se enterra logo ali
No curral, depois do pé de pequi
Menino homem não tem medo
Deixa o dia clarear
Mão na enxada desde cedo
Até a vida melhorar
(Adriano Yamamoto – Data: 27/06/2013)
* Um costume dos mais antigos no norte de Minas Gerais diz para que um menino ser um grande fazendeiro na vida adulta ou para que uma menina se casar com um fazendeiro rico,
devia-se enterrar o umbigo no terreno de uma fazenda.
Ê mané, qualquer dia
Um dia qualquer
Junto os meninos e a mulher
Volto pro riacho
Vô no rumo do norte
Largo esse diacho de vida
Com um pouco de sorte
Pego forte na lida
Duas telhas de amianto
Um bocado de tijolo
Faço minha casa, meu manto
Sem encanto, sem sonho
Largo esse desejo medonho
De ganhar a vida na cidade
Encaro a verdade de frente
Vô pra minha gente
Que de tanto sol
Nem sente mais
(Poema dedicado à cidade de Riacho dos Machados, situada ao Norte de Minas Gerais. Postado originalmente no blog http://penseforadacaixa.com)
Pela manhã
Abri as mãos e deixei voar
As mãos, a mente
Os dedos pendurados no ar
Querem sempre me invadir em bando
Digo sempre, mas vez em quando
Num quarto, numa sala
Numa dose pra me afogar
Umas gotas de realidade
Pra vida me devorar
Bicho feroz
Que morde a carne, deixa marca
Cospe os restos e então descarta
As palavras vagam perdidas nas ruas
Sempre tão explícitas, seminuas
Se oferecendo a qualquer que passe
Que qualquer limite ultrapasse
Adriano Yamamoto (Data: 12/04/2013)
Esse canto, esse coro
De muito longe vem esse choro
Pérolas negras riscando o mar
Tambores, guias
Deuses a clamar
A escuridão da noite marcou o porto
O sol se refugiou cedo, quase morto
No toque do atabaque
Um golpe certeiro
Correntes nos pés
Navio negreiro
Sopro de vela
Mergulhos ao mar
Vento na vela
Navegar
Corpos sem alma
Fundo do mar
A noite revela
Ancorar
Nuances de melanina
Brancos tons
Meninos degradê
Ecléticos sons
Raízes de um país de origens mil
Sob o sol da Bahia, Brasil
(Adriano Yamamoto – 28/05/2013)
Mesmo que ele se vá
e seu coração triste desfaleça
Guarde contigo o amor
e nunca se esqueça
Se ela já não quer voltar
e isso lá no fundo te entristeça
Guarde seguro o amor
e não se esqueça
Mesmo que a ilusão se quebre
e seu coração se negue a aceitar
Guarde a semente do amor
e não se esqueça
O amor não se apaga
É chama, é brasa
Mesmo no inverno
É firme, é terno
(Adriano Yamamoto – Data: 09/07/2013)
Publicado originalmente no blog http://penseforadacaixa.com/
A vida segue obstinada um rumo
Gira, desvia, não perde o prumo
Vive o moço, morre o ancião
Mas toda regra tem sua exceção
O que esperarei dessa vida?
História infeliz e sofrida
De quem cedo perdeu um neto
Num golpe de mortal desafeto
Deveria ter ido em seu lugar
Chorei, mas não pude optar
Ao Pai do céu cansei de pedir
Clamei dia e noite a repetir
É certo que há de passar
Dói tanto que adormecerá
Mas isso sempre me intriga
Ao lado a dor, fiel inimiga
Mas não sou o único sofredor
O menino Jesus, nosso senhor
Sem ouro, prata, coroa ou anel
Cedo, ainda moço, se foi pro céu
Deixou sozinha a virgem Maria
Mulher que cedo perdeu sua cria
Quando a saudade vinha, rezava
Uma estrela lá do céu acompanhava
(Adriano Yamamoto – Data: 17/06/2013 – Baseado na história do meu falecido avô, Hermínio Alves dos Santos, que mesmo sem saber decifrar os códigos do alfabeto, soube me transmitir através de suas histórias e estórias, toda a magia existente no universo da cultura oral do norte e nordeste brasileiro)
Abandone seus amigos irreais
Os avatares
Os perfis ficcionais
Me curta bem aqui no meu quintal
Me siga!
Façamos o êxodo virtual
Sente com seus amigos num banco
Ao vivo é sempre melhor
Mesmo que seja em preto e branco
(Adriano Yamamoto)
Publicado originalmente em http://stacilys.wordpress.com/2014/09/25/brazilian-poetry/
Pessoal este é um poema escrito por mim em português e que teve uma versão em inglês escrita por uma talentosa amiga poeta, cantora e compositora chamada Staci Dunn Silva. Quem quiser conhecer um pouco mais sobre ela, pode acessar o blog http://stacilys.wordpress.com/.
Ei doce amiga
Quem te arrancou as raízes?
As brincadeiras no rio
Aqueles dias felizes
Vento que sopra na lembrança
Vem e traz pela manhã
As primeiras palavras de criança
Cor de açaí, cheiro de cupuaçu
De onde vem, do norte ou do sul?
Uirapuru voando no azul celeste
De onde vem, do norte ou do sudeste?
Curupira assombrando ribeirinho
Rastro onça, canto passarinho
Conte-me um causo, uma cantiga
Andorinha se foi pra longe
Pra outras matas despercebida
Não se reconhece mais seu canto
Suas penas, suas cores, seu encanto
Assovie, cante algo de sua terra
A vida não espera
Cor de açaí, cheiro de cupuaçu
De onde vem, do norte ou do sul?
Uirapuru voando no azul celeste
De onde vem, do norte ou do sudeste?
Curupira assombrando ribeirinho
Rastro onça, canto passarinho
(Para minha querida amiga Nayara Agostini. Com todo o meu imaginário fantasioso sobre Rondônia)
A fruta, de madura
Se jogou lá de cima
De onde a folha se pendura
E o vento pronuncia
Sílabas de um nova estação
Soletra, cítricas no ar
Tudo que passa do ponto
Cede ao tempo seu sabor
Perde o gosto, estraga
Degusta o sonhador
Desilusões quando naufraga
E amarga o gosto do mar
De tanto afiar a lâmina
Se enfraquece o metal
Se parte ao meio
Que não mais letal
Luta com receio
Tímido a caminhar
(Adriano Yamamoto)
* Publicado originalmente no penseforadacaixa.com
Hoje, numa manhã de maio
Vi uma mulher inconstante
O mundo sempre se distrai
E por mais que se cante
As palavras soam banais
Despidas de afetos reais
Telhado de estrelas no céu
O sol vem vindo, luminoso véu
Luz da lua, banho de brisa
À ferro e fogo se estigmatiza
Inconstante mulher, sempre vê
Das janelas à céu aberto
Os que vem e vão sem saber
Vento de caminho incerto
Cidade que cedo desperta
Relógio veloz, sempre alerta
Telhado de estrelas no céu
O sol vem vindo, luminoso véu
Luz da lua, banho de brisa
À ferro e fogo se estigmatiza
Adriano Yamamoto – 16/05/2013
Ê norte, nordeste
Morada do dragão
Devasta feito peste
Cuspindo fogo no chão
Feroz dragão
Transforma em seca
Toda e qualquer estação
Dizem que não tarda
Velho Chico ha de chegar
Com fé, se aguarda
Dragão não sabe nadar
Seca estação
Não demora muito
Velho Chico, mata o dragão
Adriano Yamamoto (Data: 24/04/2013)
Menino das nuvens
Sonha de olhos abertos
O seu humor suave, gentil
Amigos sempre por perto
Te procurei, ninguém te viu
Não há quem não se prenda
Ao seu amor descontraído
Agora, me diga, me surpreenda
Onde tem se escondido?
Me dê sinais para que eu entenda
Um passarinho veio me contar
Disse melódico, num canto
Que numa ilha em alto mar
Você me espera sem pranto
Numa canção a dedilhar
Quando quiser me ver
Se disfarce numa estrela
Brilhe forte, vou saber
A mais bonita, será você
Adriano Yamamoto (Data: 09/07/2013)
* Para o meu eterno amigo, Dabian. Menino das nuvens, que sonhava de olhos abertos e vivia com a cabeça na lua. Trabalhou como voluntário numa ONG no morro do Borel – RJ. Ajudou a transformar a vida de muitos brasileirinhos.
Eu que não sabia voar
Voei tão alto que tive medo
Nas suas asas a segurar
Rabisquei no céu um segredo
Eu que não sabia amar
Amei tão rápido sem saber
O coração se deixou levar
Voei, voei sem perceber
Eu que não queria me amarrar
Com seus olhos me encantei
Me perdi nos laços devagar
Fiz bem forte um nó e puxei
Cisma que podes voar
E nem asas tem
Vôo longe, bem alto
Nas asas de um certo alguém
(Data: 25/06/2013 – Para Luciane Yamamoto, dona das asas que me fazem voar)
Corre menino
Corre pelas ruas de terra
Porque a Terra
Do homem ainda ha de se fartar
Mergulha
Mergulha no rio
Porque o rio,
Nem o de Janeiro ha de sobrar
Pobre menino
Já nasceu com tudo por se acabar
Mas isso tudo
Não acontece só por azar
Pergunte a árvore
Pergunte ao ar
Adriano Yamamoto (09/11/2012)
Nesse compasso lento
Agora tento
Boto o pé na estrada
Me reinvento
Pela ladeira abaixo
Nesse riacho
Procuro um alguém
E até me acho
Na direção do desespero
Sem tempero
Bem no centro
Um tiro certeiro
Recolho os destroços
Dos dentes teimosos
Dessa serpente
Que rói os ossos
Nesse compasso lento
Tento…
Boto o pé na estrada
Reinvento…
Adriano Yamamoto
Ansiedade moderna
Desejo sem fundo
A eterna espera
Movimento sem fim
Letargia latente
Luxo, lixo, consumo inconsequente
Repouso, sinônimo de insignificância
Abstinência se trata com intolerância
Como lego,
escolha o que quiser, monte seu eu
Assim espero, mas quem espera já morreu
Te fito, quero afeto, não reflito
Tudo quero, não importa, não espero
Cru, queimado, assado
mas deixa pra lá, já é passado
Quero que passe a eternidade
quando meu olho piscar
No universo, nas estrelas,
na terra, em três lugares quero estar
Se não for assim
que seja do jeito que você quiser
Veloz como um raio de luz
esteja eu onde estiver
Adriano Yamamoto (Data: 06/12/2012)
* Postado originalmente no http://penseforadacaixa.com
Flor do riacho
Água de rio vem banhar
Não tem bicho, nem tem macho
Que arranca ela de lá
Não conhece riqueza
Flor é simples de se vê
E só brilho, só beleza
Não tem laço de buquê
Raio de sol já judiou
Bicho homem veio olhar
Pé de passarinho só pisou
Flor só faz desabrochar
Riacho foi embora
Chuva não passou por lá
Sumiu sertão a fora
Desiludido a caminhar
Grilo, seca enfrentou
Dia e noite a cantar
Canto não adiantou
Flor no chão a definhar
Riozinho volta aqui!
Flor não pára de clamar
Não tem chuva pra cair
Não tem água pra molhar
Rio voltou correndo
Viu o vento a sussurrar
Flor tava morrendo
Não podia acreditar
Chorou arrependido
Fez promessa de ficar
Ouviu flor o pedido
Voltou a respirar
Água de rio
Pôs Deus nesse lugar
Sol que queima sem pavio
Manda chuva pra molhar
Adriano Yamamoto
Risco enigmas no papel
Um traço, um laço
Pequena vogal, um chapéu
Labirinto inconstante
Me desespero, espero
Estranha consoante
Soa nas entranhas
Tão dissonante
Com sílabas me arranhas
Seus significados aparentes
Não há quem decifre
O mapa da sua mente
Entre pontos e acentos
Tantos contrapontos
Vencido me assento
Tantos significados
Por favor, pare a frase
Quero uma paráfrase
Com ditos explicados
Traga-me letras picantes
Tostadas na brasa
Alguém que encante
Decole sem asas
Adriano Yamamot (Data: 12/09/2013)
Enquanto dorme o poeta
Que há pouco se despediu da lua
Canta o galo
Pra quem tem calo na mão
Se aperta logo cedo
Na estação de todo dia
Deste lado da cidade
A noite é breve
Pra quem muito deve
E cansado de mais um dia
Recebe feliz
A chegada de mais uma cria
Na cidade, um destilado
Pra lembrar do passado
E aliviar a lembrança
O filho que deixou dormindo
Maria que não se cansa
Se prepara pra mais um dia
Adriano Yamamoto (Data: 24/10/2013)
* postado originalmente no Pense Fora da Caixa. http://penseforadacaixa.com/estacao-de-todo-dia/
O menino olhou pro céu!
Viu a chuva caindo!
Era sonho…
Mania de vê água até dormindo
1Represa que tirou o povo do vilarejo
Gente que tentava a sorte ali, o sertanejo
Num lugar de povo simples e pele queimada
Água não sobra nem pra ver plantação molhada
Nosso sertão mineiro de tanto calor
– Abre a torneira 2Hermínio! vê se a água voltou…
Barrajona que tinha água até transbordar
Derramava dentro do rio pros muleques nadar
Alforria de piaba era a represa atravessar
Passava por cima da ribanceira até no rio chegar
Nadava ligeiro descendo 4rio Gorutuba abaixo
Água branca de sabão das 5lavadeiras no riacho
Desviava no caminho de sapo, cobra e taboa
Fugia do 6gorutubano a pescar em sua canoa
Nessa terra, antes de nuvem carregada chegar
O sol na travessia do norte mineiro vem dela judiá
(Adriano Yamamoto – 04/01/2013)
Este poema é dedicado à cidade de Janaúba, que apesar que não ser o meu local de nascimento é a cidade que abrigou minha infância e adolescência e ao povo gorutubano, povo simples, de uma riqueza cultural incrível. Segundo Filho(2008), é um comunidade formada por quilombolas que vive no vale do Gorutuba desde o século XVII, vitimada por um brutal processo de expropriação territorial e de direitos deflagrados no século XX, mais precisamente nos anos 50, e intensificado com a chegada da SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, a partir da década de 70.
1 Segundo Filho(2008), a privatização das águas do rio Gorutuba, corresponde à construção da Barragem do Bico da Pedra, na década de 1970, e a utilização dos recursos hídricos locais predominantemente na fruticultura irrigada para fins de exportação, deixando as comunidades sem acesso à água rio abaixo.
2 (in memorian) Meu avô Hermínio Alves dos Santos. Natural do Rio Grande do Norte. Viveu até os seus cem anos em Janaúba/MG
4 Nasce no município de Francisco Sá (Minas Gerais) e percorre o município de Janaúba, banhando a cidade no sentido sul-norte. Faz divisa com os municípios de Riacho dos Machados, Porteirinha e Nova Porteirinha à leste.
5 Lavadeiras que até hoje ganham o sustento lavando roupas para outras famílias às margens do rios Gorutuba e Copo Sujo.
6 Gorutubano é relativo a quem nasceu às margens do Rio Gorutuba, mas, historicamente, remonta aos primeiros moradores da cidade, um povo negro, que veio fugido do sul da Bahia e, bem ali, no Vale do Gorutuba, construiu suas “taperas” e suas famílias, muitas dessas, surgidas do casamento com índios Tapuias.
Fontes:
Filho, Aderval Costa – Os Gurutubanos: territorialização, produção e sociabilidade em um quilombo do centro norte mineiro. Disponível em http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1509/1/2008_AdervalCostaFilho.pdf?origin=publicationDetail
http://www.camarajanauba.mg.gov.br/pagina.php?conteudo=VZlSXRlVOFmYGpEWPdFdXVWRWZVVB1TP
Esta é uma construção coletiva e poética sobre o tema “Quatro Estações” promovida pelo Pense Fora da Caixa.
Participo com o poema “Uma só estação”.
O que canta o passarinho
Fora do ninho
Em cima do muro?
Talvez cante um lamento
Passamos desatentos
Apressados, no escuro
Que profecia declama?
Será que reclama?
Se preocupa com o futuro?
Reivindica um canto quieto?
Um ninho no meio do concreto?
Um teto sem furos?
Será que lamenta, declama,
reclama, profetiza,
reivindica?
Talvez só cante
Pra quem vai e quem fica
Adriano Yamamoto (Data: 24/10/2013)
* Inspirado no passarinho que cantava incansável em cima do muro na rua Espírito Santo em BH/MG
Lá no fundo
Ainda restam histórias
Que não vejo na novela
Desligo a TV e sem ela
Surgem novas formas
Outro mundo a conhecer
Pela precária lente
Que desfoca, embaça,
Embaraça, tão ausente
Não quero mais notícias
Quero ver pra crer
Tocar, sentir
Cara a cara conhecer
Adriano Yamamoto (Data: 30/08/2013)
Com-o-partir-das-coisas;
Com-o-par-partilhar;
Coisas-partidas;
Compartilhar;
Não-se-ilhar;
Partir-com;
Compartir;
Partilha;
Par;
Ar;
Adriano Yamamoto (16/04/2014)
trago na bagagem
um coração cheio de saudade
nessa longa viagem
sei, não tenho mais idade
mas papagaio no céu
corta a alma feito cerol
vento que levou meu chapéu
piaba que arrastou meu anzol
água da bica
leva folha e capim
alegria não se explica
mas quero, quero sim
trago da viagem
boneca de pano e pião
brincadeira de roda
gira, gira de pé no chão
roliman ladeira a baixo
mergulho de rio, de riacho
cor de cobra coral
canto de passarinho
pé de manga no quintal
raio de sol bem cedinho
Adriano Yamamoto – 29/04/2013
A serpente de luzes e faróis
A borracha grelhando no asfalto
As vitrines, pessoas fisgadas em anzóis
As árvores sozinhas na paisagem
As caixas de cimento e vidro
Os pássaros assoviam numa velha abordagem
Os olhares rasos no elevador
A fúria do relógio veloz
As palavras frias sem sabor
A cidade de sentido criado
O céu de telha cinza breu
O aroma do amor futilizado
O buquê de árvores pra respirar
As pessoas enlatadas ao redor
O transporte público para navegar
O homem que espalha raízes
As raízes que buscam água
A galeria de pessoas felizes
Os fragmentos de plástico com crédito
Os sentimentos cozidos à vapor
O vale a pena ver de novo inédito
A engrenagem que não para de girar
A ferrugem dos neurônios ociosos
Os meus dias que vão no ar
Adriano Yamamoto (Data: 26/02/2013)
Pessoal,
mais uma participação no site Pense Fora da Caixa. Espero que gostem.
Pessoal, bom dia!
Este é o meu primeiro post no site Pense Fora da Caixa.
Espero que gostem.
Sobre a roseira no cantinho da praça
correm as águas de Maria
rios que se afastam no tempo
no silencio lento, à luz do dia
a correnteza da vida leva sempre um pedaço
roda de carro de boi, eterno compasso
os rios deságuam sempre num lugar comum
os cardumes se reencontram todos, um a um
deixe que o sol vem nascer o dia
canta Maria! os rios correm pro mar
deixe estar, primavera anuncia
Adriano Yamamoto (Data: 22/05/2013 – para Maria Elisa Xavier)
Tantas Claras, Laras
Rosas e Marias
No princípio, taras
doces iguarias
No fim, dores
rochas cores
Em seus muitos amores
Julianas e Robertas
Vermelhas cores
feridas abertas
Um sussurro triste
e ela insiste
Nem a morte assombra
essas doces Joanas
Entre alegrias e desgostos
Traz a marca no rosto
Solitárias na noite
o amor e açoite
Vermelho de maçã
bem no espelho
Logo de manhã
a cor de romã
No peito, deleito
a cor do batom
Em áspero tom
Adriano Yamamoto (Data: 07/08/2013)
é nessa hora que vida vem cobrar
sem patente ou estirpe, sem privilégios a dar
é onde se encontram todos os visitantes
sem classe, mendigos, anônimos e importantes
o inevitável destino, o fim de animais e humanos
paulistas, belo horizontinos, cariocas e baianos
o fim da linha, passagem para o além, ceticismo de ateu
dançou o agiota, o crediário, o que se emprestou ou vendeu
é nessa hora que vida vem cobrar
por gentileza, sorte ou mero azar
o duro ou quem tudo na vida conquistou
quem por força maior, menor, a rua atravessou
o espetáculo deste palco tem sempre hora pra acabar
as cortinas se fecham, último episódio a recordar
o dia derradeiro, nem o empresário, nem o pedinte
o último suspiro, será no dia seguinte?
é nessa hora que o fôlego vem faltar
na saúde pública, na hora de se aposentar
todos se igualam pela limitação da existência
nossa vida frágil atropelada pela violência
morte súbita, matada ou morrida, passional
bala perdida, tiroteio, avançou o sinal
o bom cidadão, o inocente, o culpado, o criminoso
o dono da padaria, o motorista, o religioso
Adriano Yamamoto (Data: 08/01/2013)
Com areia,
logo se ergue
um redemoinho no quintal
e tudo que ao vento segue
Mas sossegue, não faz mal
o fio que tece a razão
sufoca um amor irreal
Rói aos poucos, faminta
Mesmo que minta
e não sinta mais
Sem sinais, pressinta
o meu olhar, nunca mais
A tua ausência arde
Por uma foto antiga
o coração insensato bate
e não há quem diga
nem linha que arremate
Se debate sem medida
Adriano Yamamoto (2013)
quem foi que enrolou
o cabelo da menina?
redondinho desenhou
no cabelo da menina?
quem foi que coloriu
o tom da sua pele?
de marrom toda cobriu
esse tom da sua pele?
quem foi que balançou
o gingado da mulata?
que ao samba enfeitou
com o gingado da mulata?
quem foi que trouxe?
foi o barco, foi o mar
diga logo ao navegante
quero voltar pro meu lugar
essa terra não é minha
não se pode esperar
que tão longe lá de casa
possa eu aqui morar
Adriano Yamamoto (Data: 19/07/2013)
No princípio, tudo era sem roda
sem movimento, fadado ao invento
lâmpadas, construções, teorias
projetos, idéias ao relento
ao nascer do sol, logo cedo
bandos formados, mutirão
átomos, plástico, levedo
tudo misturado, grande explosão
Um belo dia, você acorda
até discorda, mas se associa
compra geladeira, roupas da moda
muitos cavalos, importado na rodovia
uma avalanche morro abaixo
comercializando tudo pela frente
arte, letra, peixe, riacho
até remédio pra ficar contente
Desligo a TV, aperto o interruptor
Meu Deus! Acaba de amanhecer
Me olho no espelho, que horror!
sigo pro trabalho, volto ao anoitecer
cruzo a cidade, entro na empresa
Sou insubstituível, tenho certeza
automatizaram meu trabalho, que estranho…
volto pra casa, leio o jornal, tomo um banho
No outro dia, faço tudo novamente
acordo, como um pão amarrotado
pego o celular, escova de dente
piso fundo, estou atrasado
em frente ao trabalho, meu Deus!
um aviso em letras garrafais
De Gênesis ao livro de São Mateus
nunca vi palavras tais
Dizia assim:
“revisando nossas planilhas de custo
analisamos seu salário, que susto!
Percebemos através de uma nova tendência
Teremos mais resultados com a sua ausência”
Volto pra casa desesperado
atravesso a rua devagar
tomo algo, fico anestesiado
procuro meu espaço,
não tenho mais lugar
Adriano Yamamoto (Data: 04/07/2013)
o amor é bicho traiçoeiro
ele te atrai, te distrai
te dá um tiro certeiro
arranca da paz um pedaço
no requebrar da morena
pega o sujeito no laço
nega, não aguento mais
criei coragem
vou falar com seus pais
põe aquele vestido de renda
tô sem nada no bolso
espero que você entenda
Adriano Yamamoto (Data: 22/04/2013)
Esse canto, esse coro
De muito longe vem esse choro
Pérolas negras riscando o mar
Tambores, guias
Deuses a clamar
A escuridão da noite marcou o porto
O sol se refugiou cedo, quase morto
No toque do atabaque
Um golpe certeiro
Correntes nos pés
Navio negreiro
Sopro de vela
Mergulhos ao mar
Vento na vela
Navegar
Corpos sem alma
Fundo do mar
A noite revela
Ancorar
Nuances de melanina
Brancos tons
Meninos degradê
Ecléticos sons
Raízes de um país de origens mil
Sob o sol da Bahia, Brasil
(Adriano Yamamoto – 28/05/2013)